segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Crônica: Maitê Proença-Modéstia...Pra quê?

Para que serve a modéstia? É correta, bonita, é como mamãe mandou, baixe a cabeça e diga, imagine são seus olhos. A gente reconhece, mas nega enqto espera que o outro reafirme a importância do que sabemos ter valor. Confusa comunicação que serve para dizer o que não se pensa. O brasileiro de maneira geral tolera mal a objetividade. No Rio, com a herança da corte, a coisa piora um bocado. Não se admitem críticas mas reinam os elogios e superlativos enaltecedores para adjetivar o mérito de qq porcariazinha. Aí, quando algo tem beleza e fulgor, os modestos, cansados de tanto frufru, se acanham ao receber merecidos louros.

Escrevi uma bela peça e com os melhores parceiros colocamos em cena a delicadeza e o inesperado do humor: vê-se ali, digo e afirmo, uma plêiade de encantadores talentos. Não há modéstias em As Meninas, as belas se autoelogiam, e as outras também, sem pudor. A morta levanta do caixão porque precisa falar de si, falar bem, só sairá de cena quando toda a graça de uma vida for perceptível para os que ficam.
-Eu era sorridente, genuína, dispensava atenção a todos sem ser melosa ou piegas como as outras mulheres. Era encantada com a vida, por isso encantava meus amigos.
-Impossível não adorar você mamãe. Só não sei se fica bem ficar se autoelogiando desse jeito.
-Deixa ela, Rubi!
-Tenho tantas saudades de mim. Eu era vibrante, gostava de crianças, de dançar, de falar. E era muito inteligente!

Com os vivos transcorre o mesmo:

-Vovó como vc está linda!
-Sempre sou a pessoa mais bonita dos lugares em que estou. Cuidado com as feias Rubi. Elas são más.
-Porque?
-São frustradas, amargas, tristes, julgam a nós, pessoas magníficas, com absoluta implacabilidade. É muito fácil resistir aos prazeres da vida, ser sóbria e recatada, quando as oportunidades para fazer diferente surgem vez por outra em ano bissexto. Para não cometer desatinos eu praticamente tive que viver enjaulada em mim mesma.

Seria mais simples se na vida pudéssemos falar das coisas como elas nos parecem, sem imensos prelúdios, inúteis preparações. Dos filmes suecos é o que mais gosto; aqueles diálogos acachapantes com gente falando o indizível sem qualquer salamaleque. E o outro ali impassível a considerar, pq aquilo tem o tamanho exato do que foi dito. Não significa desamor da parte de quem expõe e nem há jogo de idéias, apenas palavras exatas para manifestar o que não pôde ser calado. Tb não há conversa demais, nem quando se quer ferir, e menos ainda ao elogiar. De minha latinidade observo com perplexo encantamento: palavras para comunicar, que coisa!

No meio em que circulo, com pessoas das artes, é ainda mais difícil comentar o que se pensa. Somos um bando de ególatras que só quer ouvir o que cai bem. Há observações certas e outras que não se pode fazer. Somos frágeis e melindráveis e quando alguém se opõe à nossa forma de expressão, vestimos armaduras e trancamos os ouvidos. O q sabem esses insensíveis caretas? Nunca nos alcançarão! Mas é a eles que queremos tocar, penso, precisamos deles, se acelerarmos o passo sem suprimir o que é belo - pequena concessão - eles se abrirão para a compreensão de tudo. Insensível! E lá vou com minha falta de tato, apanhando pra me fazer compreender. Há vezes em que vale a pena, ainda que saia invariavelmente combalida, descompassada, com espírito repleto de hematomas.

Se à vida na tropicália não convém muita clareza – talvez porque o sol brilhe quente lá fora entorpecendo o juízo da gente - no teatro tudo é possível. O vôo é o da liberdade. E nada ficará por dizer!


2 comentários:

  1. Muito interessante essa abordagem do ego feita pela atriz e cronista Maitê Proença. A sinceridade fere como um punhal e na maior parte da vida somos quase que obrigados a emitir opiniões diferentes da que realmente pensamos pra não ofender. A modéstia ao receber um elogio pode se transformar num monstro ao receber uma critica mais ferina. Artistas e intelectuais são mais sensíveis por natureza. Uma critica, dependendo de onde vem ou do ponto de vista do crítico pode ser fatal se vc não estiver preparado pra isso.
    Legal esse texto.

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  2. Gostei desse texto. A atriz é sincera ao falar de que vivemos em um mundo enaltecedor das maiores bobagens e tantas vezes não aceitamos um merecido elogio.

    Parabéns também pela alto crítica que ela faz ao meio artístico. Escrever sem rodeios, ser direto ao ponto, saber o que se está dizendo. Nem todo texto é assim... Valeu Maitê!

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