quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A língua do povo

Na mente do ser humano tudo é possível. Nesse emaranhado de ligações de neurônios as idéias se confundem com uma facilidade incrível. “Livre pensar é só pensar”, já dizia o cartunista Millor Fernandes. Se aproveitando dessa liberdade de pensar muita gente exercita esse poder inventando histórias negativas ou situações fictícias constrangedoras envolvendo pessoas comuns, geralmente amigos, familiares ou qualquer um que passar. Não é a toa que um dos costumes mais comuns na sociedade brasileira é falar da vida alheia. Ah! Como é bom especular sobre o comportamento das pessoas...
- E aí, tudo bem? Tem visto fulano?
- Qual fulano?
- Aquele que tem um irmão boiola.
- É mesmo rapaz? Pois eu jurava que ele era homem. Acho até que já o vi com mulher e tudo.
- É só pra disfarçar. Aquilo gosta mesmo é dum garotão ali do Centro.
Se o cidadão por algum motivo for ou tiver sido corno, então... Esse tá lascado! A sociedade sempre procura um culpado para justificar suas faltas. Bichas, sapatões, travestis e outros estilos de vida alternativos não tão incomuns nos dias de hoje, ainda são discriminados nessa sociedade onde só é homossexual ou drogado, o filho dos outros. Deficientes físicos ou mentais também não escapam das garras dos fofoqueiros de plantão.
- Como vai a senhora? E aquele seu filhinho doente?
- Tá ali o bichim!
- O que é que ele tem mesmo hein?
Na verdade as pessoas estão sempre querendo saber mais sobre a vida das outras pessoas. O lado bom da vida do povo todos sabem. Não tem muita graça, mas também sobra pras línguas:
- O filho da comadre fulana mora numa casa muito bonita...
- Onde foi que esse menino arranjou tanto dinheiro? Só me lembro dele liso bebendo na “poita”.
É por aí. O povo sabe de tudo, principalmente dos “podres” que, convenhamos, em termos de fofoca são mais interessantes que as virtudes. Um casamento desfeito no passado, um filho com a empregada, um desfalquezinho no comércio, um “caso” com um colega na adolescência, uma ou várias contas não pagas, enfim, deslizes grandes ou pequenos na vida de alguém interessam aos mexeriqueiros. Deve ser algum mecanismo de defesa do tipo “eu tenho um irmão gay, mas a tua irmã dorme com fulano que é casado”. Estamos quites. Você quase nunca vê ninguém elogiar alguém mesmo que mereça. E quando acontece...
- Fulano está de parabéns! Fez um trabalho fantástico.
- Que nada! Aquilo fez muito foi roubar.
- Que é isso meu amigo! Aquilo é um santo, não perde uma missa. Um homem desses nunca seria capaz duma “coisa feia” (vovô já dizia: roube não que é feio) dessas.
Não tem jeito. Da “língua do povo” ninguém se salva. Além dos tradicionais alvos dos fofoqueiros acima citados, outros personagens como artistas, autoridades civis, militares e eclesiásticas também são alvos fáceis para as línguas de plantão. Tem sempre alguém com uma fofoca nova sobre eles. Aqui em Camocim, as fofocas são “criadas” logo pela manhã cedinho que é pra chegar rápido ao mercado público ou na esquina do hospital, onde os madrugadores das notícias boas ou ruins amanhecem. Notícia de morte corre “ligeiro” demais. Aqui mesmo em Camocim, já “enterrei” pelo menos duas pessoas amigas sem que elas houvessem morrido. Tudo fofoca. Geralmente o suposto “morto” está viajando e nem pode aparecer pra se defender do vivo. Quando volta fica todo mundo olhando pra ele com aquela cara de decepção e surpresa:
- Menino, tu ainda ta vivo?
- E eu tinha morrido?
Até desfazer uma fofoca dessa leva anos. Apelido novo também se espalha rápido. Faz mais sucesso se envolver gente rica ou autoridades públicas.
- Dr. Cicrano parece um “papangu”!
- E aquela cabeça de “soín” magro?
- E o “cururú de pé de pote”, tem visto?
Bem que a gente procura falar o mínimo da vida alheia, mas a pressão é enorme. A rede de notícias é tão extensa que tem sempre alguém dizendo que alguém está falando mal de você, o que insufla ainda mais a cadeia da fofoca. O jeito é não ligar. Se estressar com fofoca é besteira. Mesmo quando a fofoca é daquelas cruéis que envolvem teu nome e até o da tua família. Até porque é isso que eles querem: que você fique “puto” e a fofoca vire verdade.
Temos de admitir que, muitas vezes, mesmo sem sermos do “ramo”, somos cruéis com alguém num momento de raiva ou desabafo. Nem é por maldade. É de tanto ouvir que o ouvido se acostuma e às vezes a fofoca sai até sem querer querendo.

Fernando Veras

3 comentários:

  1. Finalmente resta desvendado o mistério da língua!!!Boa foi a ultima frase:"...É de tanto ouvir que o ouvido se acostuma e às vezes a fofoca sai até sem querer QUERENDO"...kkkk..vlw Leras!!!

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  2. Pois é Little Joe. F. Veras tem razão. Fofoca sempre sai sem querer. A la Tchesco. Informação fresquinha é que não falta aqui no club. Estamos esperando as suas pra animar esse cotidiano tranquilo e ensolarado. Venha mesmo.

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  3. E qto mais querem saber de fofocas, menos querem saber/ouvir a verdade... pq verdade "não tem muita graça".. =//

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