quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Tap Tap Tapioca

Quem ainda não acordou ao som das batidas nas caixas de madeira dos vendedores de tapioca nas ruas de Camocim, não sabe o que está perdendo. Esta sinfonia matinal de diferentes toques, não só anuncia - como um despertador de rua - o início do dia, como também a dura rotina desses trabalhadores da madrugada.
         No início, ao me mudar para uma casa próxima ao centro da cidade, estranhei, e até desejei, que esses vendedores fossem fazer barulho naquele lugar que ninguém quer ir. Depois de alguns dias de aporrinhação e alguns gritos de protesto, me acostumei.
Não só me habituei com as batidas secas de um pedaço de pau nos caixotes de madeira, como até já decorei alguns toques específicos que indica qual é o vendedor e se o tipo de tapioca que ele vende é a melhor ou é aquela que sempre vem com um pouquinho de areia fina (os entendidos dizem que tapioca só presta se tiver aquela areiazinha e torresmo tem que ter cabelo) ou mal passada. Se é do tipo redonda, em forma de prato, ou dobrada. Se a batida é mesmo do tapioqueiro – às vezes o vendedor de chá de burro (espécie de mingau feito com milho) com cuscuz de arroz e até o leiteiro também dá suas batidinhas, entre outros sons que anunciam o café da manhã. Tem que se educar o ouvido.
A cada batida diferente, eu penso; a que horas acordarão estas famílias que vivem desse comércio tradicional? Qual será o custo de produção de uma tapioca que custa apenas R$0,50 (cinqüenta centavos) e dá pra comer duas pessoas? O que acontece com o que não é vendido? O que fazem estas pessoas durante o resto do dia, já que após as oito horas não mais se ouvem os vendedores.
Outro aspecto que me fez refletir sobre esse comércio é o grande número de pessoas, principalmente jovens adolescentes, envolvidos no negócio. Será que existem estatísticas sobre esse tipo de comércio? Qual será a renda per capita destas pessoas que vivem da tapioca? Porque os vendedores não se modernizam e passam a vender outros tipos e tamanhos de tapiocas? Existe algum treinamento para tapioqueiros? Seria um ótima opção ensinar aos interessados como fazer outros tipos de tapiocas como também de outras delícias regionais como o nosso Chá de Burro, o Cuscuz de Arroz e até o tradicionalíssimo Dim Dim? Porque não?
As velhas bicicletas cruzam a cidade de Norte a Sul, de Leste a Oeste, às vezes esbarrando umas com as outras nas esquinas da cidade. Ninguém escapa do barulho. Ricos, pobres, remediados, lisos, pessoas que dormem tarde e os lascados de ressaca, convivem democraticamente com as batidas dos tapioqueiros e cuscuzeiros que não dormem jamais!
Às vezes você acorda assustado com as batidas secas na caixa de madeira, se levanta rapidamente com aquele pijama velho, corre para abrir a porta e, com os olhos cheios de remela, as orelhas torcidas, os cabelos assanhados e aquele restinho de tesão de mijo matinal, constata, indignado, que o vendedor passou rápido demais, e, não adianta gritar, nem assobiar, porque ele já vai longe e “pega mal” ficar gritando de madrugada na calçada. Agora é só voltar pra cama, apurar os ouvidos e esperar as próximas batidas. O importante é que nunca falte a tradicional e secular tapioca no café da manhã da cidade. Nem aos domingos.

Fernando Veras

3 comentários:

  1. Acordar em Camocim com as batidas nas caixas de tapioca é uma tradição. No começo a gente estranha, depois se acostuma, como bem diz o texto. Chato é o carro de som.

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  2. O barulho da batida nos caixotes de madeira dos tapioqueiros de Camocim serve de despertador pra muita gente. Quem nunca acordou com o som do homem da tapioca? Muito bom esse texto Fernando.

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  3. Ah delicia os costumes da velha Camocim... Cidade portuaria cheia de recantos e misterios. Cultura viva, de onde vieram grandes nomes como Pinto Martins, Raimundo Silva Cavalcante e Fernando Veras!

    Amo essa tal de Camocim... Acho que comi muita cabeca de Coro! Hauahuhauhaua. Terrinha como essa nao se encontra por ai.

    Nao tenho lembranca desse barulho do vendedor em Camocim - lembro muito bem do que passava todo dia de manhazinha pela minha janela do apto de Fortaleza: - Olha a tapioca! Mas costumo come-la no mercado publico da cidade escutando aquelas conversas bizarras!

    Da-lhe Camocim!

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